A aprovação da reforma tributária não é apenas um ajuste de alíquotas; para o setor imobiliário, ela representa um redesenho completo da arquitetura de custos e da formação de preços. O que está em jogo a partir de 2026 não é apenas quanto se paga de imposto, mas como incorporadoras, construtoras e investidores estruturam seus negócios para se manterem competitivos. O novo modelo promete simplificação e créditos, mas traz consigo regras de transição complexas e armadilhas para quem gere patrimônio de forma amadora.
Abaixo, detalhamos como a mudança do regime cumulativo para o sistema de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) impacta desde a compra do terreno até a locação do imóvel pronto.
Historicamente, o setor da construção civil convive com uma ineficiência tributária crônica: a impossibilidade de recuperar créditos sobre insumos e serviços essenciais. Hoje, tributos como o ISS são totalmente cumulativos, e o PIS/COFINS possui limitações severas de aproveitamento. A reforma rompe com essa lógica ao instituir a não cumulatividade plena para o IBS e a CBS.
Na prática, isso significa que materiais de construção, serviços de engenharia, locações de equipamentos e subempreitadas passarão a gerar crédito financeiro integral. A grande mudança conceitual é o fim da exigência de "essencialidade": não será mais necessário travar batalhas jurídicas para provar que um item é indispensável à obra para creditar-se do imposto.
Essa alteração tende a reduzir o custo efetivo da obra e melhorar a previsibilidade do fluxo de caixa, especialmente em empreendimentos de grande porte. Ao invés de lidar com um cipoal de mais de 5 mil legislações municipais de ISS e 27 estaduais de ICMS, o gestor passa a operar em um sistema centralizado, o que reduz a insegurança jurídica e facilita a precificação correta dos lançamentos.

Se por um lado a reforma busca eficiência, por outro ela utiliza a tributação como ferramenta de política pública habitacional. O texto aprovado introduz mecanismos de "redutor social" e "redutor de ajuste", desenhados para aliviar a carga sobre imóveis populares e alinhar o mercado a programas como o Minha Casa Minha Vida.
O funcionamento é objetivo: o contribuinte poderá deduzir valores fixos da base de cálculo dos novos tributos. Para unidades residenciais novas, o abatimento é de R$ 100 mil; para lotes residenciais, de R$ 30 mil. Esses valores, corrigidos pelo IPCA, reduzem diretamente o imposto devido, incentivando as incorporadoras a focarem em produtos voltados para a base da pirâmide, onde a redução relativa no preço final será mais perceptível.
Um dos pontos mais sensíveis da reforma recai sobre o investidor pessoa física que vive de renda imobiliária. O novo texto cria critérios de habitualidade que podem reenquadrar proprietários como contribuintes de IBS e CBS. A regra atinge quem possui mais de três imóveis locados e aufere receita anual superior a R$ 240 mil.
Nesse cenário, a carga tributária tende a subir consideravelmente, superando os atuais 3,65% de PIS/COFINS (no regime cumulativo) ou as alíquotas de IRPF. Mesmo com o redutor mensal de R$ 600 por imóvel — que beneficia locações populares —, o impacto em imóveis de médio e alto padrão ou comerciais será significativo.
Isso forçará uma profissionalização da gestão patrimonial. A tendência é uma migração acelerada para estruturas jurídicas robustas, como holdings familiares ou patrimoniais, que conseguem absorver melhor os créditos tributários e mitigar as distorções de custo que o novo regime impõe à pessoa física.

A promessa de simplificação, contudo, não será imediata. O setor imobiliário enfrentará um longo período de transição entre 2027 e 2032, durante o qual conviverão os dois sistemas: o antigo (ISS, ICMS, PIS/COFINS) e o novo (IBS/CBS). Essa duplicidade exige uma governança tributária impecável.
As empresas precisarão manter controles separados de créditos, apurações e emissão de notas fiscais para cada regime. Além disso, a implementação do "split payment" — sistema que divide o pagamento do imposto automaticamente no momento da liquidação financeira — exigirá uma parametrização precisa dos sistemas de gestão (ERPs).
Erros na classificação das operações para fins de crédito ou falhas no compliance digital podem gerar glosas de créditos e autuações por inconsistências formais. A gestão passiva de tributos deixa de ser uma opção; a antecipação e a adaptação tecnológica tornam-se requisitos de sobrevivência.
No que tange à modelagem jurídica dos empreendimentos, as Sociedades de Propósito Específico (SPEs) continuam sendo o veículo preferencial, beneficiando-se agora da facilidade de apuração individualizada trazida pelo crédito financeiro pleno.
Já nas operações de permuta, muito comuns para aquisição de terrenos, a regra geral de não tributação da troca física se mantém. A atenção, porém, deve se voltar para a "torna" (parcela em dinheiro), que passará a ser tributada pelo IBS e pela CBS. Embora o ato cooperativo siga preservado sem incidência dos novos tributos, a viabilidade econômica de todos os projetos precisará ser recalculada sob a ótica dos novos fluxos de caixa e créditos.

A reforma tributária traz um horizonte de maior racionalidade para o setor imobiliário, eliminando distorções históricas como a cumulatividade de impostos sobre a construção. No entanto, o "preço" dessa modernização é a necessidade de uma gestão tributária de alta precisão.
Para incorporadoras, o foco está na maximização dos créditos e na adaptação ao split payment. Para investidores patrimoniais, a mensagem é clara: o tempo do amadorismo acabou. A reestruturação societária e o planejamento sucessório deixam de ser diferenciais para se tornarem essenciais na preservação da rentabilidade dos ativos imobiliários frente às novas regras de habitualidade e tributação de aluguéis.