O delicado equilíbrio de poder em acordos de sócios de holdings familiares

Definir como o poder funciona em uma holding familiar é fundamental. Sem um acordo de sócios claro, podem surgir problemas inesperados que colocam o futuro do patrimônio em risco.
Publicado em:
30/5/2025
Categoria:
Societário

Criar holdings familiares se tornou uma estratégia bastante conhecida no Brasil. O motivo não é só a chance de pagar menos impostos – como planejar melhor o imposto sobre aluguéis ou a distribuição de lucros – e proteger o patrimônio da família (deixando os bens pessoais longe dos riscos da empresa). O ponto principal é organizar a passagem do bastão para as próximas gerações e garantir que o legado da empresa e da família continue vivo. Esse planejamento da sucessão, em especial, é um assunto delicado, pois vai além de simplesmente transferir bens; envolve dar continuidade a uma visão, a valores e, muitas vezes, ao sustento de várias gerações.

No coração dessa estrutura, que pode parecer complicada mas é bem eficiente, está uma peça-chave que muita gente subestima: o acordo de sócios. Quando ele é bem feito, com a participação de todos e a ajuda de especialistas, vira o pilar da boa administração, define as regras do jogo e ajuda a manter a paz entre as gerações. Por outro lado, um acordo malfeito, com informações faltando ou muito genérico, principalmente na hora de dividir o poder, pode transformar o sonho de ver a empresa crescer em um verdadeiro quebra-cabeça de brigas na justiça e na família, podendo até acabar com a holding e com o patrimônio.

A ilusão de que em família tudo se resolve sem regras claras de poder

Em empresas de família, é comum que a confiança e o carinho falem mais alto que os contratos. Muitos fundadores, quando pensam em trazer os herdeiros para a sociedade, acreditam que o fato de serem parentes e terem bom senso já é o suficiente para manter o grupo unido e com os mesmos objetivos. Essa ideia, apesar de compreensível, não leva em conta que todo grupo de sócios muda com o tempo, ainda mais quando há laços de família. A chegada de novas gerações e de pessoas de fora do círculo familiar mais próximo – como maridos ou esposas de herdeiros, ou os filhos deles – pode trazer novas ideias e possíveis desentendimentos, desgastando aos poucos a harmonia que existia antes.

A complexidade das relações em holdings familiares exige que o acordo de sócios estabeleça um caminho claro para as decisões, evitando que o afeto de hoje se torne a briga de amanhã.

Um acordo de sócios que não deixa claro como as decisões serão tomadas, quais as responsabilidades de cada grupo (fundadores, herdeiros que trabalham na empresa, herdeiros que são apenas investidores) e como resolver os problemas, acaba não servindo para nada. A falta dessas definições pode gerar bagunça na administração, fazer com que decisões importantes fiquem paradas e, no fim das contas, diminuir o valor do patrimônio. A informalidade pode até funcionar em encontros sociais, mas dificilmente aguenta a pressão de uma reunião de conselho ou de uma decisão de investimento arriscada.

Fundadores versus herdeiros: o grande desafio da governança

Um dos maiores desafios ao criar um acordo de sócios que realmente funcione para holdings familiares é encontrar um jeito de equilibrar as diferenças naturais – e às vezes bem grandes – de poder, experiência, visão de futuro e até de dedicação entre os fundadores e os herdeiros. Os fundadores, em geral, não só colocaram o dinheiro inicial e tiveram a ideia original do negócio, mas também dedicaram anos de trabalho, correram riscos e ganharam um conhecimento prático que é difícil de passar adiante. Já os herdeiros entram na sociedade com seus direitos ao patrimônio, o que é justo, mas podem não ter o mesmo preparo técnico, o mesmo interesse pelo negócio principal ou o mesmo alinhamento com os valores e objetivos de longo prazo da empresa. Essa diferença toda pode gerar conflitos na hora de decidir sobre reinvestir os lucros, distribuir dividendos ou encarar novos projetos arriscados.

Ignorar essa diferença ao definir as regras de poder e voto no acordo é um erro estratégico que pode custar caro. Cláusulas que simplesmente dividem o poder de voto por igual, sem pensar no papel do fundador ou na necessidade de proteger a empresa de decisões apressadas de herdeiros menos experientes, podem fazer com que quem mais entende do negócio perca o controle. Por isso, o acordo precisa ter mecanismos que mantenham a capacidade de direção do fundador ou do grupo gestor mais experiente, mas sempre respeitando os direitos e a voz dos outros sócios.

Organizar o poder de voto e como as decisões são tomadas no acordo de sócios é essencial para equilibrar a experiência do fundador com os direitos dos herdeiros, garantindo uma boa administração.

Ferramentas como o voto qualificado para assuntos mais delicados, a criação de diferentes tipos de cotas com poderes diferentes, ou a formação de um conselho consultivo com especialistas de fora, podem ser decisivas. Sem esses cuidados, o fundador, mesmo sendo o maior acionista, pode acabar refém de grupos de herdeiros com interesses apenas financeiros e de curto prazo, o que pode desviar a empresa de sua missão original e comprometer seu futuro.

Cláusulas Estratégicas para Proteger o Poder e a Continuidade do Negócio

Para que o acordo de sócios seja mais do que um simples papel e se torne uma ferramenta eficiente para organizar a empresa e evitar brigas em holdings familiares, algumas cláusulas são essenciais. Elas vão definir como o poder será usado no dia a dia e garantir a estabilidade, principalmente em momentos de transição entre gerações ou quando surgirem grandes discordâncias. Um acordo bem pensado deve se antecipar aos problemas e já trazer as soluções.

Primeiro, é fundamental garantir o direito de veto do fundador (ou de um conselho indicado por ele, ou mesmo de um grupo de controle da família) em assuntos cruciais para a empresa. Isso pode incluir a venda do controle da companhia, mudanças radicais no tipo de negócio, grandes dívidas ou a entrada de novos sócios estratégicos que possam mudar o equilíbrio de poder. Além disso, definir regras claras para escolher, pagar, avaliar e demitir os administradores é muito importante. Isso assegura uma gestão profissional, competente e alinhada com os objetivos de longo prazo da holding, evitando que as escolhas sejam baseadas em indicações ou interesses momentâneos. Exigir uma maioria especial de votos para decisões estratégicas também é uma boa prática, pois força uma discussão maior e protege as opiniões de minorias qualificadas.

Outro ponto importante é incluir mecanismos para resolver impasses e para que os sócios possam sair da sociedade de forma organizada, como as cláusulas de buy-sell agreement (compra e venda). Elas devem detalhar como será calculado o valor das cotas (usando métodos justos e combinados antes, como o fluxo de caixa descontado, o valor de mercado ou o patrimônio ajustado) em casos de briga séria, falecimento de um sócio (definindo se os herdeiros entram ou não) ou se um herdeiro quiser deixar a sociedade. Por fim, o acordo deve incentivar a profissionalização da gestão e o preparo das futuras gerações. Isso pode ser feito criando um conselho de administração com membros de fora experientes, ou implementando programas de treinamento para herdeiros que queiram assumir cargos de chefia, sempre baseando a promoção em mérito, competência e resultados.

O Custo da Negligência: Quando o Acordo de Sócios Vira um Problema

Não ter um acordo de sócios, ou ter um que seja fraco e não defina bem como o poder deve ser usado na holding familiar, não é só um descuido formal. É um risco escondido, que pode explodir nos piores momentos, como na sucessão do fundador, em crises econômicas ou quando aparece uma oferta para comprar a empresa. As consequências desse descuido costumam ser graves, incluindo perdas financeiras – como a empresa perder valor, gastar muito com processos na justiça e perder oportunidades de negócio por causa de brigas internas – e um grande desgaste emocional entre os familiares, que pode até levar a rompimentos. Empresas que não se preocupam com essa organização do poder muitas vezes ficam paralisadas por disputas, adiam decisões importantes, deixam de fazer investimentos necessários e perdem bons profissionais (da família ou não) por causa da insegurança e da instabilidade.

Cláusulas bem definidas no acordo de sócios funcionam como um leme, guiando a holding familiar em tempos difíceis e protegendo seu caminho.

Imagine a seguinte situação: depois que o fundador falece, os herdeiros, com partes iguais na empresa, mas com visões de negócio totalmente diferentes e pouca experiência administrativa, assumem o controle. A empresa pode rapidamente ficar sem rumo, com cada grupo puxando para um lado e gastando energia em conflitos internos. Ou então, pense em um herdeiro com uma parte menor, insatisfeito com os rumos da empresa ou com os lucros distribuídos. Sem um jeito claro de sair da sociedade previsto no acordo, ele pode entrar na justiça para tentar dissolver parte da empresa e receber sua parte em dinheiro, o que pode comprometer o caixa e a capacidade de investimento da companhia. Essas situações não são raras; acontecem com frequência nos tribunais, e o custo para consertar a falta de planejamento é muito maior do que o investimento em uma boa assessoria jurídica lá no começo.

Considerações Finais

A holding familiar, que é criada para proteger o patrimônio e garantir a continuidade do negócio da família, pode acabar virando motivo de briga e prejuízo se o seu principal pilar de organização – o acordo de sócios – for deixado de lado, principalmente na parte que trata da complexa divisão de poder. Acreditar que só os laços de família são suficientes para manter a harmonia na sociedade é uma aposta arriscada, que não leva em conta as dinâmicas de poder, as mudanças entre gerações e as inevitáveis diferenças de interesse que surgem com o tempo.

Um acordo de sócios que realmente funciona para uma holding familiar não é um modelo pronto, mas sim um documento feito sob medida, pensado para as particularidades de cada família e de cada negócio. Ele deve deixar claro não só quem manda, mas também como se manda (os processos, as votações, as instâncias de decisão), como evitar conflitos e como resolvê-los quando aparecerem, sempre com o objetivo de proteger a visão de longo prazo e a saúde financeira da empresa. Investir tempo e dinheiro para criar um acordo de sócios forte, que equilibre o poder entre fundadores e herdeiros e estabeleça regras claras de governança, não é um gasto, mas sim a melhor forma de proteger o futuro da empresa familiar contra problemas internos, permitindo que o legado continue por muitas gerações.

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