EBITDA ou EBITA: a letra que pode custar milhões no seu contrato

EBITDA é a métrica do momento, mas ignorar o EBITA pode mascarar riscos cruciais. Entenda.
Publicado em:
12/6/2025
Categoria:
Tributário

No universo das fusões e aquisições (M&A), das avaliações de empresas e das negociações societárias, poucas siglas ganharam tanto destaque quanto o EBITDA. Ele se tornou uma espécie de celebridade dos indicadores financeiros, prometendo uma visão clara do potencial de geração de caixa de uma empresa. Contudo, como toda celebridade, sua imagem pode, por vezes, ofuscar detalhes cruciais. A adoração irrestrita ao EBITDA, sem a devida análise crítica, pode esconder fragilidades operacionais e levar a decisões financeiras e contratuais desastrosas. É aqui que seu parente menos famoso, o EBITA, entra em cena, oferecendo um retrato mais sóbrio e, em muitos casos, mais honesto da realidade empresarial.

Pense na sua empresa como um carro de corrida de alta performance. O EBITDA seria como medir a potência do motor e a velocidade máxima em uma pista perfeitamente lisa, ignorando completamente o desgaste dos pneus e a necessidade de trocá-los. Ele mostra o potencial de performance em condições ideais. O EBITA, por outro lado, mede essa mesma performance, mas leva em conta que os pneus (os ativos físicos) se desgastam e precisarão de reinvestimento. Para negócios onde esses "pneus" são a alma da operação, ignorar seu desgaste é uma aposta de altíssimo risco.

Desvendando a sopa de letrinhas: o que cada sigla realmente significa

Para entender o peso de cada indicador, é fundamental decompor o que eles representam. Ambos partem do lucro operacional de uma empresa, mas fazem exclusões diferentes para chegar a um resultado que, teoricamente, representa a capacidade de geração de caixa da operação principal do negócio.

O EBITDA corresponde ao Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization). Ao excluir a depreciação (desgaste de ativos tangíveis, como máquinas e prédios) e a amortização (perda de valor de ativos intangíveis, como patentes e softwares), o indicador busca mostrar o lucro que a operação gera, independentemente da estrutura de capital (juros), da carga tributária (impostos) e dos investimentos já realizados (depreciação e amortização). Ele se popularizou por facilitar a comparação entre empresas de diferentes setores e países.

O EBITA, por sua vez, é o Lucro Antes de Juros, Impostos e Amortização (Earnings Before Interest, Taxes, and Amortization). A diferença, sutil mas poderosa, está na letra "D". O EBITA exclui a amortização de intangíveis, mas mantém a depreciação como um custo. A lógica é simples e contundente: para muitas empresas, a depreciação não é apenas um lançamento contábil, mas a representação financeira de um custo real e inevitável para manter a operação funcionando.

A diferença entre os indicadores está no 'D' de Depreciação — um detalhe que reflete a saúde dos ativos físicos do negócio.

A armadilha da depreciação: quando o 'D' faz toda a diferença

A decisão de usar EBITDA ou EBITA não é um mero preciosismo contábil; é uma escolha estratégica que deve refletir a natureza do negócio. Para empresas de capital intensivo, onde o maquinário, a frota de veículos ou as instalações físicas são o coração da atividade, ignorar a depreciação é perigoso.

Imagine uma empresa de logística com uma frota de 200 caminhões. Esses veículos perdem valor e eficiência a cada quilômetro rodado. A depreciação registrada no balanço é a tradução contábil desse desgaste. Utilizar o EBITDA para avaliar essa empresa pintaria um quadro excessivamente otimista de sua lucratividade, pois não considera o custo contínuo e futuro de renovar essa frota para que a empresa continue existindo. O EBITA, ao computar essa despesa, oferece uma visão muito mais próxima da realidade econômica, reconhecendo que parte do lucro gerado precisa, invariavelmente, ser reinvestido na manutenção da capacidade produtiva.

Setores como o agronegócio (com tratores e colheitadeiras), a indústria de transformação (com parques fabris), a construção civil (com equipamentos pesados) e empresas de infraestrutura são exemplos clássicos onde o EBITA se revela um indicador mais prudente e realista. Em contrapartida, para uma empresa de software (SaaS) ou uma consultoria, cujos principais ativos são o capital intelectual e a marca (intangíveis), o EBITDA pode ser perfeitamente adequado, já que a base de ativos físicos depreciáveis é mínima.

O impacto no mundo real: contratos, valuation e a briga pelo múltiplo

A divergência entre os dois indicadores sai do campo teórico e aterrissa diretamente nas mesas de negociação, com implicações financeiras milionárias. Em um processo de M&A, o preço de uma empresa é frequentemente definido por um múltiplo aplicado sobre um desses indicadores.

Em indústrias de capital intensivo, ignorar a depreciação é como navegar sem considerar o desgaste do casco do navio.

O vendedor de uma indústria, naturalmente, preferirá usar o EBITDA, pois, sendo um número maior, resultará em um valuation mais elevado. O comprador, se for diligente, argumentará que o EBITA é a base correta de cálculo, pois o preço de aquisição deve refletir a necessidade de futuros investimentos em capital (CapEx) para substituir os ativos depreciados. Essa diferença de perspectiva pode representar milhões de reais na valoração final da companhia.

Essa mesma lógica se aplica a outros instrumentos jurídicos, onde a escolha da métrica define o resultado financeiro para as partes. Abaixo, são citados os principais.

Acordos de sócios

Cláusulas de compra e venda de participação societária (buy-sell), frequentemente presentes em acordos de sócios, podem se tornar verdadeiras armadilhas se mal redigidas. Imagine uma sociedade em uma empresa de transportes cujo acordo, assinado há uma década, estipula que a saída de um sócio será remunerada por um múltiplo de 5x o EBITDA do último ano. Um dos sócios decide se aposentar. No último exercício, a empresa fechou um grande contrato, inflando sua receita e, por consequência, o EBITDA. Contudo, a maior parte da frota de caminhões está no fim de sua vida útil e precisa de renovação urgente, um investimento altíssimo que não é refletido no EBITDA.

O resultado? O sócio que permanece é obrigado a usar o caixa da empresa para comprar a participação do sócio retirante por um valor artificialmente inflado, esgotando os recursos que seriam essenciais para a aquisição de novos caminhões. O sócio que sai recebe um prêmio excessivo, enquanto o que fica herda uma empresa descapitalizada e com um problema operacional iminente. O uso do EBITA ou de uma fórmula que subtraísse o investimento em manutenção de ativos (CapEx) do EBITDA teria garantido uma transação mais justa e, principalmente, protegido a continuidade do negócio.

Contratos de financiamento

Bancos e instituições financeiras costumam usar o EBITDA para estabelecer covenants (cláusulas de obrigação e restrição) em seus contratos de dívida, como a exigência de que a relação entre Dívida Líquida e EBITDA não ultrapasse um certo limite. É uma métrica rápida e padronizada. No entanto, um analista de crédito mais criterioso sabe que o EBITDA sozinho não conta toda a história. Uma empresa de capital intensivo pode apresentar um EBITDA saudável, cumprindo a meta do banco, enquanto canibaliza seus próprios ativos, adiando manutenções e investimentos indispensáveis. Ela gera caixa aparente, mas sua capacidade produtiva real se deteriora.

Por isso, análises mais sofisticadas cruzam essa informação com o volume de investimento em capital (CapEx). Um EBITDA alto acompanhado por um CapEx consistentemente baixo é um sinal de alerta de que a gestão está "suando os ativos" até o limite, sem reinvestir na sua sustentabilidade. Para o credor, isso significa que o ativo que garante a dívida está se deteriorando e a capacidade futura de geração de caixa da empresa está em risco.

Earn-out

Em operações de fusão e aquisição, o earn-out é um mecanismo comum para alinhar interesses: o vendedor recebe uma parte do pagamento no futuro, condicionada ao atingimento de certas metas pela empresa vendida. Quando essa meta é atrelada exclusivamente ao EBITDA, cria-se um perigoso incentivo perverso. O vendedor, que muitas vezes permanece como gestor por um período, focará todas as suas energias em maximizar o EBITDA a qualquer custo para garantir seu bônus. Na prática, isso pode significar cortar investimentos em pesquisa e desenvolvimento, adiar a atualização de softwares cruciais, reduzir o time de manutenção ou comprar matéria-prima de qualidade inferior para diminuir custos.

Essas ações inflam o resultado no curto prazo, a meta de EBITDA é batida e o vendedor recebe seu pagamento. Contudo, o comprador, novo dono do negócio, herda uma empresa que, embora tenha apresentado um bom número no papel, foi enfraquecida em seus fundamentos, com sua competitividade e saúde operacional comprometidas a longo prazo. Uma estrutura de earn-out mais inteligente mesclaria o EBITDA com outros indicadores de saúde, como satisfação de clientes, marcos de investimento em tecnologia ou o próprio EBITA, para garantir que o crescimento seja sustentável, e não uma miragem.

Em uma negociação, a escolha da métrica de avaliação define o vencedor antes mesmo da assinatura do contrato.

Em pagamentos variáveis pós-aquisição, atrelar as metas ao EBITDA pode incentivar o gestor a maximizar o lucro no curto prazo, adiando manutenções e investimentos cruciais, o que prejudica a empresa no futuro.

A liberdade contratual permite que as partes definam a métrica que desejarem. Contudo, como a jurisprudência, a exemplo do STJ, costuma validar os pactos firmados entre partes capazes, uma escolha mal-informada no contrato não será corrigida pelo Judiciário. A clareza e a adequação da métrica escolhida são, portanto, a maior proteção das partes.

Considerações finais

A escolha entre EBITDA e EBITA não é uma questão de certo ou errado, mas de adequação e honestidade intelectual. O indicador selecionado deve contar a história correta sobre como a empresa gera valor e quais são os custos reais para sustentar essa geração de valor no futuro. Adotar o EBITDA por ser a métrica "da moda", sem uma reflexão crítica sobre seu significado para a realidade específica do negócio, é um erro estratégico que pode ter consequências financeiras graves.

Em um ambiente de negócios cada vez mais complexo, a profundidade da análise jurídica e financeira se torna um diferencial competitivo. Garantir que os contratos societários, os acordos de investimento e os processos de M&A utilizem métricas que reflitam fielmente a saúde econômica da empresa não é apenas uma boa prática contábil, mas um ato fundamental de governança e proteção patrimonial. A letra "D" pode parecer pequena, mas seu impacto no balanço e no bolso pode ser gigantesco.

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