A dinâmica das relações de trabalho no Brasil é regida por uma premissa biológica e social inegociável: a necessidade de pausa. O intervalo intrajornada não é apenas um "tempo livre"; é uma medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, desenhada para permitir a recuperação física e mental do indivíduo.
Quando essa pausa é desrespeitada — seja pela supressão total ou pela redução do tempo mínimo legal — a legislação impõe uma consequência financeira ao empregador: o pagamento do Adicional de Hora de Repouso e Alimentação (AHRA). Contudo, a natureza jurídica desse pagamento sofreu uma mutação fundamental com a Reforma Trabalhista de 2017, alterando drasticamente a forma como o Leão — a Receita Federal — deve (ou não) interagir com essa verba.
Para compreender o impacto tributário, precisamos analisar a "genética" do pagamento. Antes da Lei 13.467/2017, havia uma zona cinzenta interpretativa onde o pagamento pelo intervalo suprimido era frequentemente tratado com natureza salarial. A lógica era: "se o funcionário trabalhou no horário de almoço, ele deve receber como hora extra". E, sendo salário, incidiam reflexos e impostos.
A Reforma Trabalhista trouxe clareza técnica ao reescrever o §4º do Artigo 71 da CLT. O legislador estabeleceu que o pagamento do período suprimido, acrescido de 50%, possui natureza indenizatória.

Podemos traçar uma analogia com a manutenção de uma máquina industrial de alta precisão. O salário é o "combustível" pago para que a máquina opere e produza. O intervalo é o tempo de resfriamento obrigatório. Se a empresa decide operar a máquina sem esse resfriamento, ela corre o risco de danos. O valor pago, portanto, não é pelo que a máquina produziu a mais, mas sim uma reparação pelo desgaste excessivo imposto a ela. Não é combustível (salário); é verba de reparo (indenização).
Essa alteração legislativa foi solidificada pela Turma Nacional de Uniformização (TNU). Ao interpretar a nova lei sob a luz dos princípios constitucionais de proteção à saúde (Art. 7, XXII, da Constituição Federal), a jurisprudência pacificou o entendimento de que não há fato gerador para o Imposto de Renda sobre o AHRA.
O Imposto de Renda incide sobre "acréscimo patrimonial" — ou seja, quando a riqueza do indivíduo aumenta. Uma indenização, por definição, não aumenta patrimônio; ela apenas repõe uma perda (neste caso, a perda da saúde e do descanso). Se o pagamento visa apenas compensar um dano, tributá-lo seria o equivalente a cobrar imposto sobre o reembolso de um seguro de carro batido.

Portanto, a tese fixada é clara: para pagamentos de AHRA realizados sob a vigência da nova lei (a partir de 13 de julho de 2017), a retenção de Imposto de Renda na fonte é indevida.
A consolidação desse entendimento abre uma janela de oportunidade para a recuperação de valores. Trabalhadores, gestores e executivos — especialmente aqueles em setores industriais, petrolíferos ou de saúde, onde regimes de plantão e supressão de intervalos são comuns — que tiveram retenções de IR sobre essa verba nos últimos cinco anos possuem direito à restituição (repetição de indébito).
É crucial, no entanto, entender a direção dessa cobrança. O empregador, ao realizar o desconto em folha, atua como mero responsável tributário, seguindo as regras vigentes à época. O beneficiário do valor arrecadado indevidamente é a União Federal. Portanto, a ação de restituição não é uma reclamação trabalhista contra a empresa, mas uma ação cível/tributária contra a Fazenda Nacional.

O processo exige uma análise documental minuciosa. É necessário compilar os contracheques (holerites) que demonstrem o pagamento da rubrica específica do AHRA e a concomitante retenção do IR, respeitando o prazo prescricional quinquenal (os últimos 60 meses).
A reclassificação do Adicional de Hora de Repouso e Alimentação é um exemplo claro de como alterações na legislação trabalhista reverberam profundamente na esfera tributária. Para as empresas, isso sinaliza a importância de manter seus sistemas de folha de pagamento rigorosamente parametrizados para evitar retenções indevidas daqui para frente. Para o contribuinte pessoa física, representa a possibilidade legítima de reaver valores que foram tributados sobre uma verba destinada a compensar o desgaste de sua própria saúde.
Nesse cenário de complexidade técnica, onde o Direito do Trabalho encontra o Direito Tributário, a análise especializada não é apenas recomendada, é o único caminho seguro para transformar um direito teórico em recuperação financeira efetiva.